sábado, 25 de setembro de 2010

Hostilio Gambarra parte 2

23 de janeiro de 2010
Com informações contraditórias sobre o poder de fogo da Coluna Prestes, o padre Aristides avaliou mal as chances de vitória dos defensores de Piancóa. Divisão Revolucionária da Coluna Prestes estavam provisoriamente arranchados em Coremas e proximidades de Piancó. E só pequeno grupo de homens do Destacamento Cordeiro de Farias entrou na Vila de Piancó, ante a visão de bandeiras brancas espalhadas pelos caminhos e nos telhados de algumas casas. Esse pequeno grupo, liderado pelo capitão Pretinho, querido entre os revolucionários, ingressava na Vila pela rua do Conselho Municipal, quando foi alvejado a partir do piquete do sargento Manuel Arruda.
Evandro da NóbregaESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR
[http://druzz.blogspot.com]
[ druzz@reitoria.ufpb.br]


Tantas são as informações (antigas e novas) sobre o episódio sangrento dos "mártires de Piancó" que se fez necessário elaborar esta segunda página em torno do distribuidor em Juízo Hostílio Túlio Calvacanti Gambarra. E ainda virá uma terceira e última página!
Hostílio foi um dos um dos mais de 20 piancoenses selvagemente mortos na terça-feira, 9 de fevereiro de 1926. Era amigo e correligionário político do padre Aristides Ferreira da Cruz (1872-1926), que liderou a defesa da Vila de Piancó, contra o que se julgava ser um ataque da Coluna Prestes. A Coluna apenas vinha do Ceará/Rio do Rio Grande do Norte e, tendo alcançado Coremas/Vale do Piancó, queria seguir para Patos, a Capital paraibana e/ou Pernambuco.
Destacamentos da 1
Os tiros feriram mortalmente o capitão e mataram seu cavalo, além de ferirem/ matarem uns quatro ou cinco outros coluneiros. O grupo retirou-se às pressas da Vila, mas voltou, uns 20 minutos depois, altamente reforçado por outros homens do Destacamento Cordeiro de Farias, aos quais logo se juntaram muitos do Destacamento Djalma Dutra. A ordem era arrasar a Vila, que tão violentamente recebera o grupo avançado da Coluna. Os homens de Prestes acreditavam haver sido vítimas de traição ou cilada: apesar das bandeiras brancas, tinham sido recebidos à bala.
Os que estavam com o padre Aristides num dos quatro piquetes da Vila não eram maltrapilhos ou andrajosos como alguns pensam — mas lideranças políticas de Piancó, com seus homens de confiança, todos fortemente armados. Como só depois (e fatalmente muito tarde) ficaria claro, não eram páreo para o "exército", numericamente bem superior, dos Destacamentos da Primeira Divisão Revolucionária.
Não por acaso Aristides estava à frente da defesa da Vila. Era partidário do ex-presidente da República Epitácio Pessoa. Em 1922, Epitácio determinara (com emprego da Polícia e, se preciso fosse, do Exército) a recondução do padre à chefia política de Piancó. Aristides (suspenso das ordens religiosas pelo bispo Dom Adauto desde 1912) fora expulso da cidade por partidários da família Leite, após tiroteio de 26 horas.
Resistindo na Vila o padre também atendia a apelo telegráfico do presidente paraibano João Suassuna no sentido de obstar a passagem da Coluna Prestes por Piancó. E, além disso, tentava mostrar que era realmente o chefe político da Vila, embora estivesse redondamente enganado quanto à Coluna estar faminta, sem munição e caindo pelas tabelas.
Para Praxedes, foi uma "hecatombe" 
Amigos tentaram dissuadir o padre Aristides: não devia enfrentar a Coluna, que, ao contrário do que inicialmente se supunha, chegara ao Vale do Piancó altamente municiada e fortalecida. Eram uns 1 mil 500 homens embalados! Disseram-lhe também: saia da cidade com a família, que a gente se encarrega de enfrentar a Coluna. Mas o padre teimou em permanecer. Afinal, onde estava seu brio?!
Tomada a decisão, ficaram a seu lado o distribuidor em Juízo Hostílio Túlio Gambarra, benquisto em toda a região, e vários outros correligionários políticos. Uma das 23 vítimas piancoenses do destino, naquele pavoroso dia, Hostílio era casado com Gualterina Gervásio de Sousa Cavalcanti [foto ao lado] e deixou os filhos: 1) Anita Cavalcanti (Ângelo) Gambarra; 2) Antônia Cavalcanti (Ângelo) Gambarra (Dona Tonhita, mãe do jornalista José Napoleão Ângelo); 3) Gualterina Cila Cavalcanti (Nunes) Gambarra; e 4) e Dagmar Cavalcanti (Nitão) Gambarra.
Uma das filhas de Hostílio, Antônia Cavalcanti Gambarra, casou-se com Napoleão Ângelo da Silva, tendo os seguintes filhos: a) Telma Rosicléa Ângelo Cavalcanti; b) João de Deus Ângelo; c) Luzia Aparecida Cavalcanti; d) Rosa Cléia Ângelo Cavalcanti; e o já referido jornalista Napoleão Ângelo. Como mostrou a revista O Cruzeiro de 23 de abril de 1955, quem se responsabilzou pela guarda das filhas de Hostílio Gambarra foi o coletor e Inácio Liberalino de Sousa. A longa reportagem é assinada por A. Monteiro e intitula-se "O Padre Sangrado".
O jornalista Napoleão Ângelo guarda um exemplar desse número da então maior revista semanal brasileira, que apresenta outras fotos de interesse: a casa em que o padre Aristides se entrincheirou com Hostílio e os demais correligionários (a mesma casa-forrtaleza em que resistira ao ataque dos inimigos políticos locais); o professor Conrado, de Piancó; a mulher do padre, Dona Quita; o próprio padre Aristides. Mas não existem fotos de Hostílio — elas foram destruídas pelo saque e incêndio promovidos por seus inimigos políticos, depois que a Coluna Prestes já havia ido embora.
Muito antes de a Imprensa, os poetas de bancada/cordel, e o padre Manuel Otaviano escreverem sobre os "mártires de Piancó", o então muito jovem repórter Praxedes Pitanga já tocara irada e candentemente no assunto. Isto ocorreu pouco dias depois da tragédia, como o historiador Deusdedit Leitão mostrou há alguns anos em artigo escrito para esta mesma A União.
Praxedes trabalhava então para um pequeno jornal (no estilo A Voz do Sertão ou Letras do Sertão e que circulava apenas no Vale do Piancó) e publicou matéria ilustrada, em tom da mais alta indignação contra a Coluna Prestes, revelando detalhes da "hecatombe de Piancó".
Foi essa, possivelmente, a primeira informação aparecida, sob letra de forma, na Imprensa paraibana, a respeito dos lamentáveis eventos no Piancó. Era o sangrento choque de duas visões diferentes do que deveria ser o Brasil e seu futuro.
A maioria degolada, morreram 23 piancoenses, contra uns 40 revolucionários da Coluna Presteso Prefeito local João Lacerda Moreira de Oliveira; seu filho Osvaldo Lacerda Moreira de Oliveira, comerciante; o também comerciante José Ferreira da Cruz (sobrinho do padre Aristides); os agricultores Joaquim Ferreira da Silva, Antônio Leopoldo, José e João Lourenço; outro agricultor e ex-praça da Polícia, Jovino Raimundo (conhecido por Quelé, diminutivo de Clementino); o guarda municipal Rufino Soares; Eloy e Joaquim Severino Leite (pai e fiho); Manoel Severino Leite; José Severino Leite; Antônio Cristóvão; Manoel Clementino de Sousa (escrivão do distrito de Aguiar); um filho deste, Antônio Clementino de Sousa (escrivão da Coletoria Federal em Piancó); João Ferreira; Antônio Custódio; o motorista Severino Rocha da Silva; o (ex-)detento Severino Guarabira; e Vicente Mororó. Em contrapartida, tombaram mortos na Vila de Piancó cerca de 40 homens da Coluna Prestes, aí enterrados no dia seguinte, por seus camaradas revolucionários.
Segundo listas apresentadas por historiadores — de Praxedes Pitanga e o padre Manuel Otaviano (Os mártires de Piancó), até Franciraldo Loureiro Lopes (Memorial das Familias Pereira Cavalcanti e Lopes Loureiro) —, foram mortas, na tragédia da terça-feira, 9 de fevereiro de 1926, além do padre Aristides e Hostílio Túlio Gambarra, as seguintes pessoas, num total de 23:

n
Das filhas de Hostílio, uma remanesce, em plena lucidez: Dagmar Gambarra, irmã de Dona Antônia Cavalcanti Gambarra e, portanto, tia de Napoleão Ângelo. Dagmar é viúva de Pedro Ventura Nitão, o Primênio que fazia as delícias dos contadores (e ouvidores) de histórias da Paraíba antiga, quando o Ponto de Cem-Réis, no centro da Capital, ainda era o ponto de encontro dos pessoenses, seu tambor de repercussão, sua tribuna, sua ágora política.
Primênio faleceu em 2007, em Brasília (DF), onde ultimamente residia. Em João Pessoa, para quem se lembra, ele foi tesoureiro dos Correios e Telégrafos. Tinha aguçada presença de espírito. Certa vez, num dos bares que costumava frequentar nos bairros de Jaguaribe e Tambaú, estava em grande roda de amigos, quando o grupo foi abordado por um pressuroso garoto de recados:
— Quem é aqui "seu" Pedro Ventura, dos Correios?
— Sou eu, menino — respondeu Primênio, de pronto — Por quê?
— Mandaram chamar o Sr. Tem um homem importante dos Correios procurando o Sr. na Agência Central!
Sem alterar-se, Primênio entregou ao menino uma cédula (hoje correspondente a uns 10 reais) e lhe disse:
— Tome, esse dinheiro é seu. Mas não diga a ninguém que me viu, tá bem?!
[Leia a terceira e última parte no próximo domingo]

Nenhum comentário:

Postar um comentário