terça-feira, 27 de agosto de 2013

carta aos Médicos Cubanos



Carta aos médicos cubanos
Por quem merece amor.
Pergunto-me: merecemos esse amor exalado por Cuba e cubanos? Esse amor que não se tem pra lucrar? Que não escolhe jardim? Esse amor destemido? Acho que sim, temo que não.
Quem somos.
Nós, amigos cubanos fomos feitos de vários povos.  E estamos em permanente processo de “fazimento”, como dizia professor Darcy Ribeiro. Nossos ancestrais viviam em terras soltas, a ermo, quando invadiram esse território tropical, coberto de florestas e rios, europeus mal-intencionados. Tentaram nos aprisionar, mas não conseguiram. Mataram-nos. Com chumbo, facões e epidemias, muitas epidemias. Quase dizimaram os povos originais donos desse imenso território.
Em seguida, esses europeus, em nome de uma civilização capitalista trouxeram os irmãos africanos, aprisionando-lhes em porões e correntes. As costas de nossos irmãos da África foi o espaço do chicote cruel do invasor europeu e dos nascidos aqui sob o manto da riqueza roubada de nossas terras. Aprisionaram as florestas, os rios, abriram fendas enormes em nossos solos e levaram nossas jazidas de ouro e prata; nossa produção de açúcar, café, algodão, etc. Nosso trabalho ergueu estranhas catedrais a milhares de milhas daqui, no outro lado do oceano.
Mesmo assim formamos uma amalgama ímpar em nosso Planeta.
Para libertar os africanos, aprisionaram, cercando, finalmente, as terras e a tornaram inacessíveis aos recém-libertos e aos pobres que existiam aos borbotões.
Passamos a trazer italianos, espanhóis, outros europeus e japoneses fugidos da fome e das guerras e seus continentes para substituir a infâmia da escravidão. Esses primeiros, por aqui, também foram quase escravos. Levas e levas de estrangeiros se integraram ao Brasil como mão de obra a enriquecer oligarquias rurais ou empresas nacionais e multinacionais, em condições de semiescravidão.
Nos últimos 70 anos passamos por intenso processo de modernização e industrialização e mais e mais estrangeiros chegaram a essas terras, colaboraram com esse impulso.
Amigos cubanos, sei que sabem disso, tanto quanto nós, mas é importante reforçar. Apesar de sermos um país industrializado, a maioria, a grande maioria das grandes indústrias que atuam aqui não são nossas, não pertencem sequer a brasileiros, quanto mais aos trabalhadores que geram suas riquezas.... Somos, nesse caso, uma espécie de “espaço privilegiado” dos donos do poder econômico internacional. Com nossa água, energia, minério, etc., acumulam seus lucros incalculáveis e levam para sua terra natal. Aqui fica a mão de obra barata, em muitos casos, quase escrava. Até tentamos criar uma indústria nacional, estratégica para o nosso desenvolvimento, mas as classes sociais ricas, opulentas, associadas aos seus amigos estrangeiros nos roubaram esse direito. Por esse projeto nacional um Presidente tirou sua própria vida e disse: “o povo de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém”. Outro Presidente que buscou um desenvolvimento nacional, autônomo, o tiraram do poder sob a força de baionetas. Morreu no exilio e hoje se sabe, por fontes seguras, foi assassinado por forças da Operação Condor.
Pois é amigos da ilha de Martí, de Fidel, de Alicia Alonso, de Gutiérrez Alea, de Sílvio Rodriguez, de Mireya Luis, etc.... Sejam bem vindos a essa terra de contradições, de um povo caloroso até para hostilizar. Perdoem eles. Eles querem que o nosso país continue sendo o mais injusto do mundo, pois se beneficiam dessa situação.
Queremos vossas ajudas, vosso amor despretensioso. Há muitos aqui, inclusive médicos, essa espécie de credibilidade tão em baixa hoje em dia, que os querem aqui conosco, colaborando nessa forja de um mundo novo, de um novo tempo.
Hoje nos sentimos mais latino-americanos do que nunca. Felizes com isso. Nos anos 50 nossa nação recebeu levas de médicos estadunidenses para implantar o SESP – Sistema Especial de Saúde Pública, ninguém reclamou. Não houve um médico ou uma associação representativa deles contrária. Agora com vocês é essa grita. Certamente essas mentes colonizadas estão atônitas, pois não esperavam eles que uma nação ilha, pobre, bloqueada, que optou por outro sistema social, onde estão libertos desse “Deus da Fortuna” demoníaco que é a grana, nos desse essa bofetada com luvas de pelica. Essa lição de dignidade, de solidariedade. Que bom que a história nos tenha reaproximado desse jeito.
Olhando em retrospectiva vejo tantas semelhanças entre a gente. Físicas, culturais, religiosas que me atrevo a convidá-los numa hora vaga de vocês, para deliciarmos juntos nossa culinária, nossa música, nossas alegrias. Quero aprender a dançar a Salsa, Rumba, Chá chá chá (sic), etc... Tomarmos rum, cachaça, uma Bucañero... Ouvirmos Chico Buarque, Maria Betânia, e muitos e muitos cantores da velha e nova geração do Brasil e de Cuba. Quero apresentar-lhes as vozes deliciosas de Roberta Sá, Vanessa da Mata, etc.
Queria combinar com vocês, amigos e amigas de Cuba. Devemos decretar, definir, entre a gente, o “Portunhol”, esse idioma fundamental de Nuestra América, como a língua oficial de nossas relações aqui no Brasil, nas horas vagas. Profissionalmente o idioma que vocês precisarão usar com vossos pacientes brasileiros já dominam melhor que muitos de nossos médicos. O amor, a atenção, o conhecimento da medicina básica.
Gostaria queridos cubanos, de agradecer a vocês e dizer que vocês têm muitos amigos e admiradores por aqui que estão dispostos a colaborar no que for possível. Emprestando-lhes, cedendo-lhes moradias, carros e o que precisarem para atender nosso povo. Esse povo precisa. Está carente. Não só de médicos, mas também de esperanças.
Obrigado por terem aceitado o convite de nossa Presidenta. Ela subiu muito no meu conceito.
Os escrevo emocionado com essa nova fase de nossa integração, de braços abertos como para abraçar um irmão que chega a nossa casa. Não serão escravos aqui como foram os nossos índios, os africanos ou mesmo os italianos e europeus nas fazendas de café. Os tempos são outros.
Os escrevo, em lágrimas de alegria e emoção, ouvindo a canção de Silvio Rodriguez “Por quem merece amor”, cantada pelo MPB4 em português e espanhol – belo, belíssimo. Acho que o Sílvio interpretou o amor dessa Ilha pela humanidade. O amor de vocês para conosco. O amor dessa Ilha de humanismo.
Abraços.
Jonas Duarte, professor UFPB.

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