Carta aos médicos cubanos
Por quem merece amor.
Pergunto-me: merecemos esse amor exalado por
Cuba e cubanos? Esse amor que não se tem pra lucrar? Que não escolhe jardim?
Esse amor destemido? Acho que sim, temo que não.
Quem somos.
Nós, amigos cubanos fomos feitos de vários
povos. E estamos em permanente processo de “fazimento”, como dizia professor
Darcy Ribeiro. Nossos ancestrais viviam em terras soltas, a ermo, quando
invadiram esse território tropical, coberto de florestas e rios, europeus
mal-intencionados. Tentaram nos aprisionar, mas não conseguiram. Mataram-nos.
Com chumbo, facões e epidemias, muitas epidemias. Quase dizimaram os povos
originais donos desse imenso território.
Em
seguida, esses europeus, em nome de uma civilização capitalista trouxeram os
irmãos africanos, aprisionando-lhes em porões e correntes. As costas de nossos
irmãos da África foi o espaço do chicote cruel do invasor europeu e dos nascidos
aqui sob o manto da riqueza roubada de nossas terras. Aprisionaram as florestas,
os rios, abriram fendas enormes em nossos solos e levaram nossas jazidas de ouro
e prata; nossa produção de açúcar, café, algodão, etc. Nosso trabalho ergueu
estranhas catedrais a milhares de milhas daqui, no outro lado do
oceano.
Mesmo assim formamos uma amalgama ímpar em
nosso Planeta.
Para libertar os africanos, aprisionaram,
cercando, finalmente, as terras e a tornaram inacessíveis aos recém-libertos e
aos pobres que existiam aos borbotões.
Passamos a trazer italianos, espanhóis, outros
europeus e japoneses fugidos da fome e das guerras e seus continentes para
substituir a infâmia da escravidão. Esses primeiros, por aqui, também foram
quase escravos. Levas e levas de estrangeiros se integraram ao Brasil como mão
de obra a enriquecer oligarquias rurais ou empresas nacionais e multinacionais,
em condições de semiescravidão.
Nos
últimos 70 anos passamos por intenso processo de modernização e industrialização
e mais e mais estrangeiros chegaram a essas terras, colaboraram com esse
impulso.
Amigos cubanos, sei que sabem disso, tanto
quanto nós, mas é importante reforçar. Apesar de sermos um país industrializado,
a maioria, a grande maioria das grandes indústrias que atuam aqui não são
nossas, não pertencem sequer a brasileiros, quanto mais aos trabalhadores que
geram suas riquezas.... Somos, nesse caso, uma espécie de “espaço privilegiado”
dos donos do poder econômico internacional. Com nossa água, energia, minério,
etc., acumulam seus lucros incalculáveis e levam para sua terra natal. Aqui fica
a mão de obra barata, em muitos casos, quase escrava. Até tentamos criar uma
indústria nacional, estratégica para o nosso desenvolvimento, mas as classes
sociais ricas, opulentas, associadas aos seus amigos estrangeiros nos roubaram
esse direito. Por esse projeto nacional um Presidente tirou sua própria vida e
disse: “o povo de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém”.
Outro Presidente que buscou um desenvolvimento nacional, autônomo, o tiraram do
poder sob a força de baionetas. Morreu no exilio e hoje se sabe, por fontes
seguras, foi assassinado por forças da Operação Condor.
Pois é amigos da ilha de Martí, de Fidel, de
Alicia Alonso, de Gutiérrez Alea, de Sílvio Rodriguez, de Mireya Luis, etc....
Sejam bem vindos a essa terra de contradições, de um povo caloroso até para
hostilizar. Perdoem eles. Eles querem que o nosso país continue sendo o mais
injusto do mundo, pois se beneficiam dessa situação.
Queremos vossas ajudas, vosso amor
despretensioso. Há muitos aqui, inclusive médicos, essa espécie de credibilidade
tão em baixa hoje em dia, que os querem aqui conosco, colaborando nessa forja de
um mundo novo, de um novo tempo.
Hoje nos sentimos mais latino-americanos do que
nunca. Felizes com isso. Nos anos 50 nossa nação recebeu levas de médicos
estadunidenses para implantar o SESP – Sistema Especial de Saúde Pública,
ninguém reclamou. Não houve um médico ou uma associação representativa deles
contrária. Agora com vocês é essa grita. Certamente essas mentes colonizadas
estão atônitas, pois não esperavam eles que uma nação ilha, pobre, bloqueada,
que optou por outro sistema social, onde estão libertos desse “Deus da Fortuna”
demoníaco que é a grana, nos desse essa bofetada com luvas de pelica. Essa lição
de dignidade, de solidariedade. Que bom que a história nos tenha reaproximado
desse jeito.
Olhando em retrospectiva vejo tantas
semelhanças entre a gente. Físicas, culturais, religiosas que me atrevo a
convidá-los numa hora vaga de vocês, para deliciarmos juntos nossa culinária,
nossa música, nossas alegrias. Quero aprender a dançar a Salsa, Rumba, Chá chá
chá (sic), etc... Tomarmos rum, cachaça, uma Bucañero... Ouvirmos Chico Buarque,
Maria Betânia, e muitos e muitos cantores da velha e nova geração do Brasil e de
Cuba. Quero apresentar-lhes as vozes deliciosas de Roberta Sá, Vanessa da Mata,
etc.
Queria combinar com vocês, amigos e amigas de
Cuba. Devemos decretar, definir, entre a gente, o “Portunhol”, esse idioma
fundamental de Nuestra América, como a língua oficial de nossas relações
aqui no Brasil, nas horas vagas. Profissionalmente o idioma que vocês precisarão
usar com vossos pacientes brasileiros já dominam melhor que muitos de nossos
médicos. O amor, a atenção, o conhecimento da medicina básica.
Gostaria queridos cubanos, de agradecer a vocês
e dizer que vocês têm muitos amigos e admiradores por aqui que estão dispostos a
colaborar no que for possível. Emprestando-lhes, cedendo-lhes moradias, carros e
o que precisarem para atender nosso povo. Esse povo precisa. Está carente. Não
só de médicos, mas também de esperanças.
Obrigado por terem aceitado o convite de nossa
Presidenta. Ela subiu muito no meu conceito.
Os
escrevo emocionado com essa nova fase de nossa integração, de braços abertos
como para abraçar um irmão que chega a nossa casa. Não serão escravos aqui como
foram os nossos índios, os africanos ou mesmo os italianos e europeus nas
fazendas de café. Os tempos são outros.
Os
escrevo, em lágrimas de alegria e emoção, ouvindo a canção de Silvio Rodriguez
“Por quem merece amor”, cantada pelo MPB4 em português e espanhol – belo,
belíssimo. Acho que o Sílvio interpretou o amor dessa Ilha pela
humanidade. O amor de vocês para conosco. O amor dessa Ilha de
humanismo.
Abraços.
Jonas Duarte, professor UFPB.
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